Ex-presidente foi preso em Maceió e vai cumprir pena em regime fechado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro

Por Wagner Ferreira – Em 4 de dezembro de 1963, há pouco mais de 61 anos, o empresário e jornalista Arnon Afonso de Farias Mello, pai do ex-presidente Fernando Collor de Melo, se preparava em Brasília para discursar pela primeira vez como senador da República. No mesmo ano, o carioca Fernando Collor, de apenas 14 anos, mas que passou a maior parte da sua vida em Maceió, estava morando no Rio de Janeiro. Na antiga capital federal, ele era interno do tradicional colégio São José.
O clima no Senado Federal estava pesado naquela quarta-feira, 4 de dezembro. A rixa entre os dois políticos alagoanos, oriundos de famílias rivais tinha chegado ao limite. Desde que fora eleito senador, Arnon de Melo vinha sendo hostilizado e insultado por seu colega Silvestre Péricles, militar, ex-delegado e herdeiro de uma família com história na política nacional. De acordo com relatos da época, Silvestre planejava matar o colega se ele subisse na tribuna para discursar.
Arnon de Farias Melo (PDC) e Silvestre Péricles de Góis Monteiro (PST) eram inimigos declarados e viviam tentando mostrar, há anos, quem era mais influente nas Alagoas, estado de origem dos dois então senadores da República. Arnon elegeu-se senador em 1962. Já Silvestre Péricles, estava no senado desde 1959. Ambos já tinham ocupado a cadeira de governador de Alagoas.
Sabendo disso, o então presidente do Senado, Auro de Moura Andrade, tomou algumas providências: mandou impedir o ingresso de “pessoas suspeitas” na Casa, determinou a revista de todos que quisessem ingressar nas galerias e espalhou guardas à paisana pelas dependências. De acordo com reportagem do Globo à época, o filho mais velho de Arnon, Leopoldo Collor de Melo, de 22 anos, foi desarmado por um segurança antes de entrar. Ele ficou na mesma galera onde estava um genro de Silvestre, que era oficial do Exército.


Mesmo com as precauções, ainda havia o receio de que capangas das duas famílias estivessem em Brasília vindos de Alagoas e estariam prontos para agir em caso de confronto.
Após fazer cessar o burburinho, que vinha das galerias lotadas do Senado, Moura Andrade abriu a sessão. Em sua fala, ele avisou que a Mesa faria de tudo, “nos limites máximos de sua força”, para manter a ordem. “Se por ventura, alguém perturbar a ordem, será posto imediatamente sob custódia”, disse ele ao microfone.


Eram 15h quando Arnon de Melo subiu na tribuna e tomou a palavra, visivelmente descontrolado. “Senhor presidente, permita vossa excelência que eu faça meu discurso olhando na direção do senhor senador Silvestre Péricles de Gois Monteiro, que ameaçou de me matar, hoje, ao começar meu discurso”. Foi tudo muito rápido. Nem bem o pai de Collor iniciara a sua fala, e seu arquirrival já havia começado a marchar decididamente e com expressão furiosa na sua direção. Quando chegou perto da tribuna, com o dedo em riste, gritou: “Filho da puta!”.


No mesmo instante, Arnon sacou sua arma e disparou. Foram dois tiros, mas ele não atingiu Péricles, que havia se atirado no chão e puxara seu revólver. O pânico estava instalado, muita gente corria para se proteger, enquanto outros senadores tentavam apartar o duelo. Silvestre se arrastava entre as poltronas, tentando fazer pontaria. Foi quando o parlamentar paraibano João Agripino se lançou sobre ele e conseguiu tomar-lhe a arma. Ouviu-se mais um tiro. A campainha do Senado soava em disparada, misturando-se à gritaria. Quando o presidente da Casa reassumiu o microfone dizendo “Basta!” e pedindo que removessem os dois rivais do plenário, alguém gritou: “Há um ferido, excelência!”.
Consternados, os presentes constatavam que o senador acreano José Kairala (PSD) estava no chão, baleado no ventre. Kairala era um comerciante de 39 anos, que se elegeu suplente do ex-governador José Guiomard. Ele ocupava a cadeira dele desde julho de 1963, em substituição ao titular, que estava de licença. Aquele 4 de dezembro era o seu último dia no Senado e ele tinha levado mulher e filhos para sua despedida, uma despedida para sempre também da vida deles. O segundo disparo de Arnon encontrou o parlamentar do Acre, que se jogou sobre Péricles no intuito de evitar seu revide. Enquanto o plenário se acalmava, a vida de Kairala se esvaía. Ele foi levado ao hospital e operado, recebeu todo o estoque de sangue em transfusões, mas morreu às 20h05.


Prisão em Flagrante – O pai de Collor chegou a ficar algumas horas preso, mas foi liberado sob a alegação de que agira em legítima defesa. Em seu depoimento no Ministério da Aeronáutica, o político disse que vinha sendo ofendido e ameaçado por Péricles havia anos e que, quando começou a discursar na tribuna, viu o rival avançando sobre ele com a mão na cintura, como se estivesse pegando a arma. Arnon se recusou a reconhecer que partira de sua arma o tiro que atingiu Kairala, mas disse que não se lembrava se havia disparado um ou dois tiros, porque fora rapidamente agarrado por colegas. Já Péricles afirmou que poderia ter matado o rival, mas não o fez com medo de atingir outra pessoa em meio à confusão.
Nas décadas seguintes, Collor se formou em economia, exerceu diversas funções políticas em Alagoas e foi eleito presidente da República em 1989, renunciando ao cargo três anos depois em meio a um processo de impeachment. Nesta sexta (25), ele foi preso em Maceió e vai cumprir pena em regime fechado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Arnon permaneceu na prisão durante sete meses até ir a júri popular foi em 1969, seis anos depois, que a Constituição determinou que deputados e senadores deveriam ser julgados pelo STF.
Revólver na cintura – Pressionados pela população, logo os demais parlamentares aprovaram, por 44 votos a 4, a prisão dos dois colegas pistoleiros. Apesar de serem presos em flagrante, assim como ocorre hoje, os outros senadores precisavam dar o aval para que Arnon e Silvestre fossem encarcerados – mesmo com o segundo garantindo ser uma “vítima desprevenida”, conforme registra o Jornal do Brasil na época. No entanto, não demorou para que ambos estivessem soltos novamente. Antes do meio do ano de 1964, tanto Arnon quanto Péricles foram declarados inocentes pelo Tribunal do Júri de Brasília.
Ainda que Arnon tenha desmentido, histórias contadas e recontadas na época garantem que, enquanto permaneceu na cadeia, o senador mantinha o seu Smith Wesson 38 sempre consigo, o que intimidava os policiais responsáveis por garantir a segurança do presídio – que se recusavam a se aproximar da cela do parlamentar detido.
O pai do ex-presidente se manteve no Congresso até 1981, nos últimos anos como senador biônico. Desde meados dos anos 1970, Arnon Afonso de Farias Melo sofria de paralisia supranuclear. Ele faleceu aos 72 anos, em 29 de setembro de 1983 em Maceió.
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